ISSN electrónico: 2172-9077

DOI: https://doi.org/10.14201/fjc202021219235

AFETOS TRANSITÓRIOS: ROMANCES REALISTAS E UTOPIAS HOMONORMATI-VAS NO CINEMA QUEER CONTEMPORÂNEO

Transient Affections: Realistic Romances and Homonormative Utopias in Con-temporary Queer Cinema

Daniel OLIVEIRA, Mestrando

Universidade da Beira Interior, Portugal

danielos@gmail.com

https://orcid.org/0000-0002-2185-2355

Fecha de recepción del artículo: 12/06/2020

Fecha de aceptación definitiva: 10/09/2020

ResumO

A partir de um trabalho de revisão bibliográfica, o artigo analisa o cinema queer contemporâneo, identificando características recorrentes em produções protagonizadas e/ou realizadas por sujeitos LGBTQIA+ na última década. O ponto de partida são autores que, inspirados pelo trabalho da crítica norte-americana B. Ruby Rich ao caracterizar o Novo Cinema Queer nos anos 1990, propõem-se a identificar quais aspectos políticos e estéticos se destacam na filmografia queer atual – e de que maneira eles refletem o presente momento da população LGBTQIA+. No diálogo entre as teorias investigadas, percebe-se como, por meio da reincidência da abordagem realista e de narrativas de frustração romântica, filmes como Weekend e Fim de Século refletem sobre homonormatividade, privilégio e modos de existência queer hoje. Ao destacarem esses paralelos e características em comum, os autores revelam como a produção contemporânea reforma referências do Novo Cinema Queer – e qual conceito de cinema queer ela elabora ao fazer isso.

Palavras-chave: Cinema Neo-Queer; Nova Sinceridade Gay; Homonormatividade; Weekend; Fim de Século.

Abstract

Based on a work of literature review, this paper investigates the main recurring aspects of contemporary queer cinema, specifically features starring and/or directed by LGBTQIA+ persons in the last decade. The starting point is a number of authors who, inspired by B. Ruby Rich’s work in characterizing the New Queer Cinema movement in the 1990s, set out to identify which political and aesthetic aspects stand out in the current queer filmography – and how they reflect the LGBTQIA+ community’s present moment. Once their theories are put in dialog, it becomes clear how, through the recurrence of a realistic approach to narratives of romantic frustration, movies like Weekend and End of the Century reflect upon homonormativity, privilege, and modes of existence in the current queer experience. By highlighting these parallels, these authors show how contemporary films reform New Queer Cinema’s references – and which concept of queer cinema they elaborate on the screen.

Key words: Neo-Queer Cinema; New Gay Sincerity; Homonormativity; Weekend; End of the Century.

1. Introdução

No início da década de 1990, a crítica norte-americana B. Ruby Rich identificou um conjunto de filmes lançados à época que questionava uma representação datada de sujeitos LGBTQIA+1 no cinema, caracterizada até então por desfechos fatídicos, narrativas carregadas de culpa e vergonha, ou personagens estereotipados e marginais, usados como alívio cômico ou objetos de julgamento moral em produções heteronormativas2. Com base em uma série de realizadores e produções exibidas nos Festivais de Sundance, Toronto e Amsterdã entre o fim da década de 1980 e o começo dos anos 90, ela percebeu um novo corpus fílmico – dirigido por cineastas gays e lésbicas, como Todd Haynes, Gregg Araki, Derek Jarman e Sadie Benning – que recusava os clichês marginalizantes e um certo humanismo ultrapassado do retrato da experiência LGBTQIA+ na história do cinema, oferecendo em resposta obras irreverentes e originais.

A esse grupo de filmes, Ruby Rich deu o nome de «Novo Cinema Queer» (referido como NCQ daqui em diante) em seu artigo homônimo publicado na revista ‘Sight and Sound’ em 1992. Apesar de sua extrema importância histórica e política na década de 90, no entanto, esse movimento – ou «momento», segundo uma reavaliação posterior da própria autora – estético não sobreviveu ao novo milênio. A mesma Ruby Rich decretou sua morte em 2000 num novo artigo, ‘Queer and present danger: After New Queer Cinema’, publicado na mesma ‘Sight and Sound’. Nele, a crítica afirmou, com base em longas como ‘Meninos não Choram’ (Kimberly Peirce: 1999) e ‘O Talentoso Mr. Ripley’ (Anthony Minghella: 1999), que as estratégias narrativas e estéticas do NCQ haviam sido de tal forma assimiladas pelo mainstream do cinema norte-americano que a originalidade de seu projeto político se encontrava esvaziada, tornando-se menos um movimento artístico do que um novo nicho de mercado (Rich, 2000).

O que não significa que o cinema queer, ou o cinema protagonizado e dirigido por sujeitos LGBTQIA+, morreu ali. Pelo contrário. Nos primeiros anos do século XXI, ele floresceu e encontrou múltiplas formas, gêneros e propostas estéticas para se expressar. Dada essa própria multiplicidade de abordagens e narrativas, porém, o consenso em torno de um conceito forte e unificador como o NCQ não parecia mais possível – ou, ao menos, nunca foi consolidado. Produções com temáticas, realizadores e olhares fora da heteronormatividade existiam, obtendo maior ou menor repercussão, mas não a ideia de uma agenda política e estética que as identificasse e unisse como um movimento.

Isso tem mudado um pouco nos últimos anos – especialmente na década atual. Desde 2011, uma série de filmes com protagonistas e realizadores LGBTQIA+, como ‘Weekend’ (Andrew Haigh: 2011), ‘Um Estranho no Lago’ (Alain Guiraudie: 2013), ‘Carol’ (Todd Haynes: 2015), ‘Os Iniciados’ (John Trengove: 2017), ‘O Reino de Deus’ (Francis Lee: 2017) e ‘Retrato de uma Jovem em Chamas’ (Céline Sciamma: 2019), vem obtendo cada vez mais espaço e reconhecimento nos grandes festivais de cinema, como Cannes, Berlim e Veneza. E uma certa proximidade estética e temática entre eles tem levado vários autores a identificar um novo momento do cinema queer. O nome desta atual fase, contudo, é algo que divide esses teóricos, cada um deles com sua tentativa de emular o poder batismal de B. Ruby Rich: seria um renascimento do NCQ? Ou um Cinema Neo-Queer? Um Novo Realismo Queer? «Nova Sinceridade Gay»?

O objetivo deste artigo é, por meio da revisão bibliográfica de alguns desses autores e suas incursões ontológicas, investigar as principais características dessa produção queer contemporânea. A análise não tem a pretensão de apontar qual deles, ou qual termo, está mais ou menos correto, nem de chegar a um novo conceito capaz de congregar e agregar a todos. Mas sim de perceber, por meio dessas leituras e teorias, como esses filmes e seus principais traços em comum – a onipresença da abordagem realista, a reincidência da frustração romântica, a ausência de um projeto coletivo em favor da satisfação individual – entendem e retratam a experiência LGBTQIA+ atual e, consequentemente, qual o conceito de «queer», e de cinema queer, eles constroem e elaboram.

Para isso, algumas questões/hipóteses servirão de fio condutor pelo percurso teórico analisado:

• Em que medida essa produção queer contemporânea dialoga – revisitando, rejeitando ou reinterpretando – com a tradição, os temas e a radicalidade do NCQ?

• Nas suas escolhas narrativas, de protagonistas, abordagens e temas, o que esses filmes revelam sobre os modos de existir dos indivíduos LGBTQIA+ hoje, especialmente nos seus aspectos sociais, econômicos e afetivos? Se o NCQ estava preocupado com uma ideia coletiva de morte e sobrevivência, como a produção atual reflete sobre uma certa «vida após a morte», representada pela epidemia da Aids?

• Como os longas em questão se encaixam, ou não, no cenário do cinema contemporâneo, especialmente no que diz respeito a uma certa onipresença da abordagem realista?

• O que a reapropriação dos códigos de gênero cinematográficos, especialmente o drama romântico, feita por esses filmes diz sobre a relação entre homonormatividade, neoliberalismo, frustração e satisfação individual na existência queer hoje?

• Por fim, o que o diálogo entre os autores analisados, e seus conceitos, revelam sobre essa filmografia – e sobre a produção queer contemporânea como um todo?

A forma como os investigadores citados, e suas teorias, respondem a essas questões por meio da análise dos filmes determinará a estrutura narrativa deste artigo. Mais do que um percurso meramente cronológico, a presente análise será guiada pelo diálogo entre os diferentes conceitos – como eles se complementam, refutam, ou ressignificam mutuamente. É nessa justaposição e no contato entre as teorias que os aspectos e as características comuns dessa nova produção virão à tona. Não será um caminho sempre linear, algum vai e vem será necessário – mas como o NCQ já deixou claro, a linearidade não é exatamente condizente com a produção queer.

E é importante ressaltar, ainda, que esta revisão não tem a pretensão de esgotar a filmografia LGBTQIA+ contemporânea – o que seria impossível, dada sua multiplicidade. O corpus fílmico será definido, mais uma vez, pelo diálogo entre os autores que, ao recorrerem às mesmas obras e exemplos, reconhecem – a exemplo de Ruby Rich e seu NCQ – uma série de títulos que transportam questionamentos e representações queer para um certo contexto mainstream, em festivais como Sundance, Cannes, Berlim e Veneza.

Para fazer isso, porém, é fundamental entender primeiro o que foi o NCQ. Porque, em sua análise, Ruby Rich caracterizou aquela produção como uma resposta política e estética ao contexto histórico atravessado pela população LGBTQIA+ naquele momento – com os realizadores transformando em cinema o auge do genocídio da Aids e a ascensão da Teoria Queer, com Judith Butler e a publicação de seu livro ‘Problema de Gênero’ em 19903. E essa abordagem é usada como referência por todos os autores recortados neste artigo, que parecem querer responder à mesma pergunta: que aspectos políticos e estéticos se destacam na produção queer contemporânea e de que maneira eles refletem ou respondem ao momento atual? Antes de responder a isso, no entanto, regressemos a 30 anos atrás.

2. O cinema contra a morte

Em seu artigo de 1992, Ruby Rich nunca oferece um conceito exato do que seria essa sua nova ideia de «cinema queer». Na verdade, ela afirma que os filmes elencados ali tinham poucas estratégias estéticas e narrativas em comum, mas que

«Existem traços de apropriação e pastiche em todos eles, de ironia, assim como de uma reconstituição da história com um construtivismo social bastante em mente. Definitivamente rompendo com velhas abordagens humanistas, e com filmes e fitas que acompanhavam políticas identitárias, esses trabalhos são irreverentes, energéticos, alternadamente minimalistas e excessivos. Acima de tudo, são cheios de prazer». (Rich, 1992, p. 16)»4

Esses traços descritos por Ruby Rich não nascem em um vácuo. Em termos políticos, o NCQ é fortemente marcado pelo genocídio da Aids na década de 80 e início dos anos 90 em que se insere. E esteticamente, carrega a clara influência da linguagem do vídeo, e sua desconstrução da linearidade do tempo, que eclodiu nos anos 80.

De fato, Monica B. Pearl afirma que o «Novo Cinema Queer é cinema independente gay, feito em meio à crise da Aids, que desafia convenções cinematográficas» (2004, p. 23)5. Segundo a pesquisadora, a epidemia do vírus HIV, e o genocídio causado por ele, vão causar uma crise na subjetividade da população LGBTQIA+ (especialmente no homem gay): uma desconstrução da ideia do eu e do corpo e uma ruptura da ideia linear do tempo, em função, respectivamente, da perda do controle sobre a própria aparência e funções vitais, e de uma morte que poderia chegar em dias ou em anos. «A história do eu versus objeto externo não se aplica. O eu como um todo, sacrossanto, inviolável e definível se tornou, mesmo para quem não estava doente, uma ilusão de eu e de subjetividade que não podia ser sustentada» (Pearl, 2004, p. 24)6.

É essa crise que filmes como ‘Veneno’ (Todd Haynes: 1991), ‘Edward II’ (Derek Jarman: 1991) e ‘Swoon – Colapso do Desejo’ (Tom Kalin: 1992) vão tentar representar na tela. Utilizando recursos estilísticos típicos do vídeo oitentista e do cinema experimental, eles constroem narrativas fragmentadas, que vão e voltam no tempo, e recusam uma dramaturgia linear, conciliadora e com arcos dramáticos que não faziam mais sentido num mundo em que vidas desapareciam a todo momento, de uma hora para outra. E é ao abandonar uma ideia fixa de identidade, em direção a uma fluidez e transitoriedade de sujeitos em suspensão entre vida e morte, masculino e feminino, homo e heterossexualidade, que essas obras operam na tela uma representação audiovisual de alguns dos principais conceitos da Teoria Queer. Barbara Mennel (2012, p. 67) argumenta que «os filmes do período compartilhavam uma atitude, eles quebravam regras de continuidade e não tinham interesse em narrativas lineares, dando continuidade à tradição vanguardista de realizadores e artistas queer como Andy Warhol, R. W. Fassbender e Kenneth Anger. São obras que associam desvio sexual com desvio da forma fílmica»7.

Além disso, Michele Aaron (2004) reforça como o NCQ estava diretamente ligado ao ativismo contra a Aids do período. Ela explica que queer ganha força como um «termo guarda-chuva» exatamente nesse contexto: não existem mais gays, lésbicas, transexuais ou bissexuais, mas apenas um grupo de pessoas juntas lutando contra um inimigo em comum, contra a morte e o apagamento. Queer, nesse sentido, torna-se «intervenção crítica, produto cultural e estratégia política» (Aaron, 2004, p. 6)8, e o NCQ passa a ser visto como uma manifestação artística da sobreposição desses três vértices.

Muitos dos realizadores do movimento, não por acaso, trabalharam na produção audiovisual de grupos ativistas como Queer Nation, ACT UP e Outrage, e trazem para o NCQ as mesmas estratégias confrontadoras, urgentes e de apropriação de outras linguagens e referências, da publicidade ao documentário, que esses grupos usavam para ganhar visibilidade e atenção do público. É daí que surgem os pastiches de gêneros, como o melodrama, o musical e a ficção científica, misturados com trechos documentais (ou falso documentais) e o tom fortemente politizado e confrontador de produções como ‘Viver até o Fim’ (Gregg Araki: 1992) e ‘Paciente Zero’ (John Greyson: 1993).

Tudo isso deixa claro como o NCQ é, tanto em termos de forma quanto conteúdo, um produto de seu tempo: como esses filmes foram feitos por pessoas vivendo um dos maiores genocídios do século XX para outras pessoas passando pela mesma experiência, numa tentativa de oferecer um refúgio artístico – debochado, raivoso, poético, nonsense – em meio a uma tragédia sem sentido. Analisando a filmografia de Derek Jarman no contexto da Inglaterra das décadas de 1980 e 90, Robin Griffiths (2016, pp. 1-2) afirma que ela «representa uma crítica importante e inequivocamente irreverente de uma nação, e uma comunidade, dilacerada por mais de uma década de política thatcherista que tinha tentado descaradamente fechar a porta do armário a marteladas»9:

«De muitas formas, o Novo Cinema Queer foi visto como o produto oportuno e inevitável da convergência sem precedentes que ocorreu entre as emergentes políticas de identidade pós-modernas da teoria queer e a renovada agência de um número de grupos de ativistas e coletivos de filme e vídeo contra a Aids dos anos 1980 (...) Foi um cinema que, após uma década de um conservadorismo anti-gay cada vez mais agressivo da Nova Direita nos EUA e no Reino Unido dos anos 1980, ofereceu uma plataforma urgente para aqueles que haviam sido silenciados e relegados às margens por tanto tempo» (2016, p.5)10

Isso ajuda a entender por que, à medida que a década de 90 avança, e o fantasma da Aids se torna menos assustador, o movimento vai gradualmente perdendo seu fôlego. Como Julianne Pidduck (2004, p. 85) observa:

«Pode se argumentar que o eclipse do Novo Cinema Queer coincide com outra alteração epistêmica na cultura queer, em que o HIV/Aids é imaginado (se não necessariamente experienciado) como ‘passado’, ‘uma condição administrável, em países ocidentais’; nessa conjuntura, o encontro com morte e perda demanda um registro analítico e afetivo diferente»11

Ao mesmo tempo, os personagens e estratégias narrativas do movimento começam a ser assimilados e diluídos por produções hollywoodianas, como ‘Procura-se Amy’ (Kevin Smith: 1997) e ‘Meninos não Choram’. Com isso, o NCQ, tanto como projeto estético quanto político, vai deixando de fazer sentido. E a consagração mainstream12 de ‘O Segredo de Brokeback Mountain’ (Ang Lee: 2005), um longa absolutamente clássico, nada debochado ou irônico, possivelmente representa o ápice desse novo momento que Lisa Duggan (2002, p. 179) cunhou como «homonormatividade», um modo de existência queer que «não desafia as instituições e valores da heteronormatividade, buscando ao contrário inserir gays e lésbicas neles. A homonormatividade promete a possibilidade de uma cultura gay privatizada e despolitizada, ancorada na domesticidade e no consumo»13, existindo, portanto, exatamente no meio do espectro entre a direita conservadora e a esquerda queer mais radical.

3. O cinema após a morte

Portanto, nesse novo contexto, com a Aids sob controle (ainda que sem cura) em boa parte do mundo ocidental; com a vasta presença de personagens e atores LGBTQIA+ em inúmeras séries e filmes; e com as conquistas alcançadas (como o casamento entre pessoas do mesmo sexo em vários países) sob a ameaça da onda conservadora atual, o cinema queer contemporâneo encara uma agenda política bastante, se não completamente, diversa daquela enfrentada pelo NCQ. Assim como gays e lésbicas, especialmente brancos, são hoje de certa forma herdeiros das vitórias e dos sacrifícios daquela geração (apesar da luta por direitos e da violência ainda enfrentada por grupos como pessoas transgênero e não-binárias14), os filmes atuais também são sucessores e espólios daquela batalha: se a produção do NCQ buscava entender como não morrer, a questão para os realizadores contemporâneos parece ser agora como viver.

Nas palavras do cineasta Mike Hoolboom, ao refletir sobre um mundo em que a Aids não é mais necessariamente uma sentença de morte no curta ‘Letters from Home’ (Mike Hoolboom: 1996), «nós já sabemos como vamos morrer. O que nós não sabemos, o que estamos te perguntando agora, é como vamos viver». Essa é a grande indagação do cinema LGBTQIA+ atual: depois de um movimento em que HIV, morte, vídeo, experimentação visual e subjetividades fragmentadas pós-modernas foram os grandes definidores de sua produção, quais são as questões que movem os realizadores não-heterossexuais hoje? Para além de personagens humanizadores em séries televisivas e da mera representação como afirmação de existência, existe um projeto cinematográfico que norteia o olhar desses cineastas?

A partir da análise de três filmes – ‘Weekend’, ‘Um Estranho no Lago’ e ‘Pariah’ (Dee Rees: 2011) – Stuart Richards (2016) afirma que a resposta a esta pergunta é sim, existe um projeto, que ele batiza de «Renascimento do Novo Cinema Queer». Para justificar esse resgate da terminologia criada por Ruby Rich, o autor reconhece que, embora «esses longas [contemporâneos] não compartilhem da mesma estética radical das produções da primeira onda de filmes queer do início dos anos 1990, por existirem num contexto diferente tanto do cinema queer quanto independente» (2016, p. 225)15, eles usam novas estratégias formais e narrativas para atingir objetivos políticos semelhantes: questionar e desafiar representações dominantes e conformadas de sujeitos LGBTQIA+ e apresentar na tela discussões políticas e identitárias essencialmente queer.

Assim como os demais autores que investigam essa produção contemporânea, Richards destaca que um de seus aspectos estéticos mais marcantes é a onipresença de uma abordagem cinematográfica realista – na quase ausência de trilha musical, no uso de uma câmera próxima ao documental, muitas vezes na mão, numa iluminação e encenação naturalistas e numa montagem que busca respeitar o tempo do dia a dia, do cotidiano – bastante distante do pastiche camp e das experimentações formais do NCQ dos anos 90. Para ele, esse realismo, típico de grande parte do cinema independente e de autor atual, não apenas torna o conteúdo queer desses filmes acessível ao público (heterossexual) desse tipo de cinema, mas permite também inserir a experiência LGBTQIA+ no cruzamento interseccional das questões sociais, de classe, criação, raça e privilégio que permeiam a contemporaneidade.

Em ‘Pariah’, por exemplo, o conflito da protagonista Alike (Adepero Oduye) consiste na busca por uma forma de conciliar sua identidade sexual à experiência como mulher negra. Já em ‘Weekend’, o cineasta Andrew Haigh narra o encontro sexual e afetivo que ocorre durante um fim de semana entre dois homens ingleses: Russell (Tom Cullen), um salva-vidas introspectivo e de classe média baixa que sonha com uma vida doméstica envolvendo marido e casamento; e Glen (Chris New), um estudante de arte assumido e politizado prestes a se mudar para os EUA, que rejeita uma existência homonormativa e se recusa a restringir a expressão de sua sexualidade ao espaço doméstico. No romance e no embate que se estabelece entre esses dois protagonistas do longa – que, não por acaso, Richards considera o primeiro precursor dessa nova onda queer – o autor enxerga a essência do «Renascimento do NCQ»: a presença de um texto progressivo que torna uma discussão inequivocamente queer acessível a um público amplo por meio de uma abordagem realista. Segundo ele,

«o filme parece reforçar ideologias dominantes, mas usa códigos cinematográficos formais para desconstruir normas políticas. É nesse desdobramento da estética realista dominante do cinema independente contemporâneo que os filmes queer desta segunda onda do NCQ encontram sua agência política. Embora essas produções não sejam experimentais ou radicais em termos formais, elas ainda estão usando a forma fílmica para politizar o conteúdo queer». (2016, p. 221)16

Connor Winterton (2018) concorda com a leitura de Richards de que existe uma onda de filmes contemporâneos que faz uso de uma linguagem realista para abordar questões queer na tela. Para ele, no entanto, se essas obras não respondem ao mesmo contexto político da Aids, nem compartilham do mesmo radicalismo formal daquelas produções, elas não podem ser consideradas, ou denominadas, Novo Cinema Queer. Por isso, ele oferece uma alternativa, batizando essa produção contemporânea de «Cinema Neo-Queer».

Para Winterton, o uso do termo «neo» tem dois motivos principais. Primeiro, ele carrega e reconhece na sonoridade a herança e a influência do NCQ, ao mesmo tempo em que aponta que os «filmes neo-queer não simplesmente continuam um legado, mas sim o revitalizam, mudando narrativas e estilos para se adequarem a questões contemporâneas e agradarem a espectadores (queer) contemporâneos» (2018, p. 45)17. Em segundo, neo conecta essa produção à ideia de neoliberalismo, um «arranjo político, social e econômico que enfatiza relações mercantis, ressignificando o papel do Estado na sociedade, assim como a responsabilidade individual» (Springer, Birch & MacLeavy, 2016, p. 2) – indicando como o autor acredita que esses filmes atuais, diferente da lógica coletiva do NCQ, enxergam seus personagens como sujeitos neoliberais, mais interessados na satisfação pessoal do que numa consciência de grupo:

«Enquanto o NCQ desafiava identificações de gênero, oferecendo narrativas radicais ou experimentais que falavam mais amplamente de questões queer e política (como Aids e representação), filmes como ‘Deixe a Luz Acesa’ e ‘Azul é a Cor Mais Quente’ enfocam indivíduos brancos e privilegiados que navegam com sucesso o mundo econômico e social, e suas únicas preocupações reais são de caráter pessoal e relacionamentos (...) Isso pode ser devido ao fato de que alguns sujeitos LGBTQIA+ estão colhendo os frutos da ‘igualdade’ e do neoliberalismo (...) Esses filmes, portanto, parecem tentar refletir o progresso social, cultural e econômico para os sujeitos queer, o que simplesmente deixa de fora muitos membros da comunidade LGBTQIA+ que não se beneficiam do neoliberalismo (como transexuais, queer não-brancos ou pobres etc). Em resumo, o Cinema Neo-Queer enfoca menos a comunidade e mais o indivíduo; alguns desses filmes privilegiam noções normativas de amor, sucesso, consumismo e ego, em detrimento de questões comunitárias LGBTQIA+ mais amplas.» (2018, p. 47)18

O que diferencia essa produção contemporânea dos títulos mais homonormativos do início do século é que ela não lança um olhar idealizado sobre essa existência pequeno-burguesa, mas na verdade questiona seus valores e sua frágil ideia de felicidade. Mais uma vez, a pergunta central desses filmes parece ser como viver: depois de anos de luta pelo direito ao casamento, adoção, estabilidade no trabalho etc., será que tudo isso é o que os sujeitos queer realmente querem? Não se trata, de forma alguma, de um questionamento desses direitos, mas sim da ideia de que essa existência normativa equivale a um ingresso automático para a vida perfeita. Nas palavras de Robin Griffiths (2016, p. 10):

«Os filmes queer dos últimos anos são visivelmente preocupados em abordar um meio político contemporâneo que se tornou saturado com ideologia neoliberal. É essa postura questionadora com relação ao neoliberalismo e sua regulação conexa de categorias identitárias, assim como seu apelo à assimilação e homonormatividade que se tornou o discurso dominante da produção queer contemporânea.»19

Assim como Stuart Richards, Griffiths enxerga esse questionamento claramente em ‘Weekend’. Para ele, o salva-vidas Russell, com sua solidão e seu desejo universal por amor, é usado pelo cineasta Andrew Haigh como uma espécie de Cavalo de Troia para o público heterossexual adentrar uma discussão profundamente queer: depois de anos de luta e sacrifício da população LGBTQIA+, o certo hoje é casar e viver domesticamente a vida pela qual as gerações anteriores lutaram (Russell), ou negar essa norma e encontrar novas formas não-assimiladas de existir (Glen)? Nesse conflito entre conformidade e dissentimento, entre o (espaço) privado e o público, «os protagonistas de ‘Weekend’ ainda estão negociando as complexidades associadas a uma identidade própria sobrecarregada por resíduos do passado» (Griffiths, 2016, p. 19)20.

Nesse retrato de identidades em fluxo por meio de um olhar questionador da própria existência queer e suas representações, Andrew Moor (2011) reconhece claramente uma herança da postura irônica e pós-moderna do NCQ. Para ele, porém, nos filmes atuais esse questionamento envolve menos uma ideia de contestação e deboche do que uma observação naturalista e quase documental que ele associa a uma noção de sinceridade. Daí, sua decisão de chamar essa produção queer contemporânea de «Nova Sinceridade Gay», um estilo em que

«um imaginário gay realista, no qual a ênfase está no conteúdo e numa suposta fidelidade ao real, equilibra-se delicadamente com uma inquisição distanciada e meta-cinematográfica sobre como essas imagens realmente funcionam. Nesses filmes, esforços para invocar um senso de autenticidade ‘não-mediada’ competem com um engajamento mais conscientemente artístico de questões de forma fílmica.» (2011, p. 6)21

Essa substituição de uma postura mais contestadora por um olhar mais compassivo e realista é o motivo pelo qual Moor defende o uso de ‘gay’ e não ‘queer’ em seu conceito. Partindo do conceito de queer de David M. Halperin – «qualquer coisa em desacordo com o normal, o legítimo, o dominante. Não há nada em particular a que se refira necessariamente. É uma identidade sem uma essência. Queer, assim, demarca não uma positividade, mas uma postura em relação ao normativo» (1995, p. 62)22 – ele considera que não se pode afirmar que a produção cinematográfica contemporânea está alinhada com essa postura da mesma forma que os filmes originalmente elencados por Ruby Rich. Argumentando assim, que esses longas contemporâneos reconhecem, mas em última instância rejeitam, os jogos pós-modernos associados com o Novo Cinema Queer, substituindo-os por um realismo mais estudado e observador, Moor (2011, p. 24) defende que adjetivo ‘gay’ é mais adequado que ‘queer’. Essa diferença de propostas é evidenciada, segundo o autor, por uma estratégia comum a grande parte dessa filmografia atual: tratar de questões e experiências universais – como o conflito entre domesticidade e dissentimento em ‘Weekend’, ou os desafios e o calvário de um relacionamento com um dependente químico em ‘Deixe a Luz Acesa’ (Ira Sachs: 2012) – por meio de narrativas especificamente LGBTQIA+.

Connor Winterton, por outro lado, contrapõe que, ao encenar esse conflito entre homonormatividade e uma experiência queer mais «radical», a produção contemporânea está na verdade problematizando a ideia do «queer autêntico» (2018, p. 46) – de que existe uma forma correta e única de ser queer que funcione para todo mundo durante toda a vida. E cita a narrativa de ‘Um Estranho no Lago’ como um ótimo exemplo disso. No filme do cineasta Alain Guiraudie, Franck (Pierre Deladonchamps) é o frequentador de um lago francês de ‘cruising’, de pegação, que se envolve numa trama de assassinato ao se apaixonar por Michel (Christophe Paou), outro assíduo do local.

Parafraseando o conceito de heterotopia23 de Michel Foucault, Winterton descreve esse lago de ‘Um Estranho (...)’ como uma «homotopia»:

«Um espaço decididamente gay (masculino) que exala uma sensibilidade utópica, mas tem a possibilidade de ser real, onde os membros de sua comunidade veem seus rituais como ‘naturais’. O lago é um espaço seguro ‘homotópico’ que será penetrado por uma presença ameaçadora, Michel, um homem perigoso que vai usar os gestos desses rituais para corromper o local» (2018, p. 53)24

O lago seria, portanto, um universo em que as regras da heteronormatividade (e da homonormatividade) não se aplicam: onde o sexo e as afetividades são livres, não existem trocas mercantis, nem laços institucionais alicerçados na promessa do amor romântico. A ironia, no entanto, é que a narrativa criada por Guiraudie estabelece como desejo central de Franck um encontro com Michel fora dali. O que o protagonista realmente quer, e aquilo pelo qual ele se dispõe a sacrificar a própria vida no final, é um jantar, uma conversa, passar a noite juntos. Uma existência doméstica para além do mero ‘cruising’ – algo que nunca se realiza, já que no recorte espacial do filme, o mundo exterior pertence a um extracampo nunca visto, quase inatingível.

Por isso, para Winterton, o desejo de Franck por esse ideal homonormativo de romance representa, em contraposição à homotopia do lago, uma utopia – que, como o próprio conceito indica, é irrealizável. E essa estrutura, segundo ele, sintetiza a narrativa de uma enorme parte da produção queer contemporânea: filmes em que os protagonistas têm experiências sexuais utópicas, mas num mundo distópico, em que o amor romântico é uma impossibilidade:

«‘Um Estranho no Lago’, como outros filmes contemporâneos, apresenta um mundo onde ser queer e amar de forma queer é uma impossibilidade, um mundo onde felicidade e prazer são apenas momentâneos. São produções que apresentam sexo erótico e ‘relativamente explícito’ que, no fim das contas, termina em separação ou coração partido para o protagonista. O sexo utópico é frequentemente colocado no centro de uma narrativa distópica ou anticlimática, queer-izando a experiência do espectador que, em geral, sai decepcionado que o relacionamento dos personagens não vingou. O sexo é orgásmico, alegre e franco (portanto, ‘utópico’) nesses filmes, mas é apresentado em histórias e narrativas que mostram queers como infelizes no amor, não bons o bastante, ou pessoas que cedem a expectativas normativas que levam a algum tipo de ruína.» (2018, p. 51)25

Além de ‘Um Estranho’ (...) e ‘Weekend’, são inúmeros os longas da última década em que esse arco dramático é perceptível. ‘Me Chame pelo seu Nome’ (Luca Guadagnino: 2017), ‘Retrato de uma Jovem em Chamas’, ‘Azul é a Cor Mais Quente’ (Abdellatif Kechiche: 2013), ‘Os Iniciados’ e ‘Fim de Século’ (Lucio Castro: 2019) são alguns exemplos dessas obras que oferecem a seus protagonistas um breve idílio sexual para, no final, reiterarem a impossibilidade do amor homonormativo26 – num subgênero que Winterton chama de «romance queer» de «amor, paixão, coração partido, sexo e perda» (2018, p. 49).

Embora essas narrativas da frustração romântica não sejam exclusivas às produções queer no cinema contemporâneo, Stephanie Clare (2013) enxerga nessa reincidência uma reavaliação e uma releitura do próprio conceito de homonormatividade. Ao estabelecerem o amor romântico como uma utopia que justifica o sofrimento do presente, esses filmes, segundo a autora, ecoam o conceito de «otimismo cruel» que Lauren Berlant (2011, p. 1) usa para descrever a posição da protagonista feminina no melodrama clássico: «uma relação de otimismo cruel existe quando algo que você deseja é, na verdade, um obstáculo para seu crescimento»27.

Se em seu livro, Berlant analisa como o melodrama se alicerça numa ideia de «lamento feminino», de uma eterna infelicidade, Clare argumenta que esses longas queer recentes constroem uma espécie de «lamento queer». E para ela, ao fazer isso, filmes como ‘Weekend’ e afins revelam como o conceito de homonormatividade, diferente do que Duggan (2002) defendeu originalmente, não diz respeito a questões puramente político-econômicas, neoliberais ou institucionais – seu poder vem de outro lugar:

«A homonormatividade toma conta por meio de afeto e emoção. Na verdade, a homonormatividade não se baseia apenas em domesticidade e consumo, como Duggan argumenta. Ela também é legitimada por narrativas sentimentais de amor, felicidade e esperança, narrativas que se sobrepõem tanto à domesticidade quanto ao consumo, mas que consistem de registros mais afetivos e emocionais (...) e os estudos queer não serão capazes de imaginar uma alternativa viável a menos que escutemos esses sentimentos» (Clare, 2013, p. 786)28

É essa alternativa viável que Clare acredita não ter sido ainda oferecida pelo cinema ou pelos estudos queer. Analisando o conflito central entre os dois homens de ‘Weekend’, ela argumenta que, se o sonho de Russell envolvendo um marido, um casamento e uma família é uma fuga utópica, a viagem de Glen para os EUA também é uma fuga de sua realidade que não tem garantia nenhuma de sucesso – com a diferença de ser uma fuga possibilitada pelo lugar de privilégio ocupado pelo estudante de arte em comparação ao salva-vidas. E é esse ponto cego que a autora parece apontar no conceito de homonormatividade em relação à teoria queer: se os sujeitos queer são diversos, múltiplos e ocupam diferentes estratos e lugares sociais, seus ideais de felicidade também serão diversificados – podendo incluir, até mesmo, amor e casamento. Como Connor Winterton (2018, p. 46) argumenta em seu texto, ser anti-homonormativo não confere a alguém o título exclusivo de «queer autêntico».

4. Considerações finais

Se esses filmes queer contemporâneos ainda não conseguem oferecer uma alternativa clara aos ideais afetivos e emocionais da homonormatividade, o que todos eles parecem entender é que, no cinema, o amor romântico é uma narrativa. Aquele ideal shakespereano vendido desde ‘Romeu e Julieta’ é um construto ficcional, com começo, meio e fim:

«O amor romântico está conectado à ideia de narrativa. Historicamente, amor romântico e o romance literário surgiram aproximadamente ao mesmo tempo; como Giddens escreve, ‘a conexão dizia respeito a uma forma recém-descoberta de narrativa’ (1992, 40). Romance é a narração de uma história e, portanto, não é de se surpreender que a aproximação inicial de Glen e Russell se dê quando os dois narram sua noite juntos, e é significativo que o filme termine retornando à narrativa, repetindo a frase ‘comece do início.» (Clare, 2013, p. 793)29

Se existe uma alternativa viável, real e duradoura a esse idílio efêmero da narrativa romântica, ela não está nessas produções porque não cabe no cinema – não é da esfera da criação artística. A título de comparação, esses filmes retratam o romance como uma viagem de férias, como quando alguém vai para o Havaí, Barcelona ou Fernando de Noronha e se apaixona pelo lugar. Essa paixão, no entanto, não significa que a pessoa queira ou vá morar ali. Porque morar ali é completamente diferente de passar férias. Morar significa enfrentar trânsito, pagar boletos, encontrar um trabalho, estabelecer uma rotina. Ou seja, manter um relacionamento adulto, para além da mera paixão. Assim, no cinema, e nas produções queer contemporâneas, as pessoas são um lugar, e o amor é um tempo que se passa nele. Mesmo em filmes que recusam essa frustração do amor romântico, como ‘Carol’, ‘Moonlight’ e ‘O Reino de Deus’, o possível «felizes para sempre» é algo que acontece fora de campo, depois do plano final – ele não cabe na história.

Curiosamente, uma das produções que melhor entende, e elabora, essa ideia do amor como narrativa é um dos títulos mais recentes do cinema queer contemporâneo: ‘Fim de Século’, dirigido pelo argentino Lucio Castro. Numa coincidência nada surpreendente, o longa tem uma trama bastante similar à de ‘Weekend’, acompanhando o dia que Ocho (Juan Barberini) e Javi (Ramon Pujol) passam juntos em Barcelona após um encontro para sexo casual. Só que, apesar de ser quase todo calcado no diálogo e na relação que se estabelece entre os dois, como na produção de Haigh, há uma reviravolta no filme de Castro, quando Javi revela (e relembra) a Ocho que os dois já se conheciam e, na verdade, haviam sido o primeiro homem um da vida do outro muitos anos antes.

‘Fim de Século’ desenvolve, então, o típico romance utópico, ideal, entre os dois protagonistas a partir das memórias, e da narrativa, de Javi. E no ato final, após ele ir embora e voltar para seu marido, Castro apresenta ao espectador uma sequência que é uma espécie de dimensão paralela/mundo alternativo, em que Ocho imagina como seria sua vida se ele e Javi tivessem ficado juntos – se ele fosse esse marido, pai de um filho, e os dois vivessem como num comercial de margarina. É utópico e romântico e extremamente homonormativo – e é pura ilusão: puro cinema. A estrutura que tem início no sexo casual, seguida pelo idílio romântico das memórias de Javi, e o fecho do futuro imaginado por Ocho é simplesmente a montagem tentando corrigir o tempo desencontrado dos dois amantes e transformar em cinema, em narrativa, a imperfeição de como as coisas acontecem na vida real.

E um dos aspectos mais interessantes, mais queer, do filme é a expressão de Ocho nas cenas do futuro imaginado/sonhado por ele. Durante toda a sequência, seu rosto demonstra um certo incômodo, um estranhamento e um desconforto, como se ele questionasse se aquela é mesmo a vida que ele quer. Se ele está feliz. Se aquela é/teria sido mesmo a escolha certa. E o filme, e Lucio Castro, nunca respondem diretamente a esse questionamento. O único indício capaz de direcionar o espectador para uma interpretação possível se dá na forma de uma citação do livro ‘Close to the Knives: A Memory of Disintegration’, escrito – nada por acaso – pelo pintor, fotógrafo, autor, cineasta, performer, compositor e ativista norte-americano David Wojnarowicz, que morreu de Aids em 1992. Lido por Ocho, que o deixa marcado como um presente para Javi, o trecho aparece em letras garrafais na tela: «Estou me aproximando da costa e percebo o quanto odeio chegar a um destino. Transição é sempre um alívio. Destino significa morte para mim. Se eu pudesse descobrir uma forma de permanecer eternamente em transição, no desconectado e desconhecido, eu permaneceria num estado de liberdade perpétua»30.

Na reverência a Wojnarowicz, Castro não apenas evidencia a influência e a importância da geração do Novo Cinema Queer para a filmografia LGBTQIA+ contemporânea, mas reafirma como, 30 anos depois, permanecemos em fluxo. Em transição. Essencialmente queers. Descobrindo não mais formas de não morrer, mas de viver.

Revisitando as questões e hipóteses apresentadas no início deste artigo, o exemplo acima deixa claro como a produção contemporânea tem o NCQ como uma espécie de planta-base, de modelo ou referência. Não no sentido de imitar ou reproduzir seu projeto político e estético, mas de perpetuar sua proposta de usar o cinema para pensar e questionar os modos de existência e de representação queer na tela. Para isso, os filmes atuais fazem uso de uma abordagem realista para encenar, e refletir sobre a frustração com os ideais românticos trazidos por um projeto homonormativo, neoliberal e individualista que, em certa medida, esvaziou uma noção política de coletividade e comunidade mais presente no NCQ31 .

Ao fazer isso, os longas em questão apontam as fissuras nessa ideologia dominante de um: ‘felizes para sempre’ associada a conceitos de matrimônio e família. Mas não oferecem exatamente uma resposta ou alternativa a ela. O cinema é o lugar para pensar, para fazer perguntas – as respostas devem ser encontradas na vida. Se o amor romântico pertence à narrativa cinematográfica, a alternativa a ele não parece caber na tela. Uma conclusão não explicitada nesses termos por nenhum dos autores analisados, mas cuja leitura deles em conjunto nos permite chegar – o que era exatamente o objetivo desta revisão bibliográfica.

5. Bibliografia

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Clare, S. D. (2013). (Homo)normativity’s Romance: Happiness and Indigestion in Andrew Haigh’s Weekend. Continuum, 27:6. Disponível em https://doi.org/10.1080/10304312.2013.794197. Acesso em 27.05.2020.

Duggan, L. (2002). The New Homonormativity: The Sexual Politics of Neoliberalism. In: Castronovo, R. & Nelson, D. D. (eds.), Materializing Democracy. Durham: Duke University Press.

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Wojnarowicz, D. (2014). Close to the Knives: A Memoir of Disintegration. Nova York: Open Road Media.

6. Filmografia

‘Azul é a Cor Mais Quente’ (2013). Abdellatif Kechiche: França, Bélgica, Espanha.

‘Carol’ (2015). Todd Haynes: EUA, Reino Unido.

‘Deixe a Luz Acesa’ (2012). Ira Sachs: EUA.

‘Edward II’ (1991). Derek Jarman: Japão, Reino Unido.

‘Fim de Século’ (2019). Lucio Castro: Argentina.

‘Letters from Home’ (1996). Mike Hoolboom: Canadá.

‘Me Chame pelo seu Nome’ (2017). Luca Guadagnino: Brasil, França, Itália, EUA.

‘Meninos não Choram’ (1999). Kimberly Peirce: EUA.

‘Moonlight’ (2016). Barry Jenkins: EUA.

‘O Outro Lado de Hollywood’ (1995). Rob Epstein & Jeffrey Friedman: Alemanha, EUA, França, Reino Unido.

‘O Reino de Deus’ (2017). Francis Lee: Reino Unido.

‘O Segredo de Brokeback Mountain’ (2005). Ang Lee: Canadá, EUA.

‘O Talentoso Mr. Ripley’ (1999). Anthony Minghella: EUA.

‘Os Iniciados’ (2017). John Trengove: África do Sul, Alemanha, França, Holanda.

‘Pariah’ (2011). Dee Rees: EUA.

‘Paciente Zero’ (1993). John Greyson: Canadá, Reino Unido.

‘Procura-se Amy’ (1997). Kevin Smith: EUA.

‘Retrato de uma Jovem em Chamas’ (2019). Céline Sciamma: França.

‘Swoon – Colapso do Desejo’ (1992). Tom Kalin: EUA.

‘Um Estranho no Lago’ (2013). Alain Guiraudie: França.

‘Veneno’ (1991). Todd Haynes: EUA.

‘Viver até o Fim’ (1992). Gregg Araki: EUA.

‘Weekend’ (2011). Andrew Haigh: Reino Unido

1 . Sigla para Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgênero, Queer, Intersexo, Assexuais/Agênero e mais.

2 . Para uma recapitulação histórica e análise dessa representação queer no cinema, especialmente o hollywoodiano, ver o documentário ‘O Outro Lado de Hollywood’ (Rob Epstein & Jeffrey Friedman: 1995), realizado a partir do livro homônimo do pesquisador Vito Russo.

3 . A Teoria Queer surge a partir de finais dos anos 1980, quando teóricos de várias áreas do conhecimento começam a questionar a heteronormatividade como norma, defendendo a ideia de gênero sexual como algo fluido, socialmente construído, performado e sistêmico, tendo por base textos de filósofos como Michel Foucault e Simone de Beauvoir. «No que diz respeito ao campo das artes e da comunicação, a Teoria Queer oferece um olhar crítico sobre a cultura de massa e seus mecanismos de codificação heteronormativos, valorizando meios contra-hegemônicos, como fazem os estudos culturais. O Novo Cinema Queer é um exemplo inicial de como ases problemáticas queer agem sobre a arte cinematográfica» (Alves, 2017, p. 1).

4 . Tradução do autor. No original: «there are traces in all of them of appropriation and pastiche, irony, as well as a reworking of history with social constructionism very much in mind. Definitively breaking with older humanist approaches and the films and tapes that accompanied identity politics, these works are irreverent, energetic, alternately minimalist and excessive. Above all, they’re full of pleasure».

5 . Tradução do autor. No original, «New Queer Cinema is gay independent cinema, made in the midst of the Aids crisis, that defies cinematic convention».

6 . Tradução do autor. No original, «The story of self-versus foreign object does not apply. The self as a whole, sacrosanct, inviolable, and definable became, even for those who were not ill, an illusion of self and subjectivity that could not be sustained».

7 . Tradução do autor. No original: «the films of the NQC period shared an attitude – they broke rules of continuity and disinterest in linear narratives, continuing the avant-garde traditions of queer film-makers and artists such as Andy Warhol, Fassbender and Kenneth Anger. These films tied sexual deviance with deviance of film form».

8 . Tradução do autor. No original, «critical intervention, cultural product and political strategy».

9 . Tradução do autor. No original: «Jarman’s films represented an important and unambiguously irreverent critique of a nation, and a community, torn apart by over a decade of Thatcherite policy that had sought to nail the closet door shut».

10 . Tradução do autor. No original: «In many ways, New Queer Cinema was seen as the timely yet inevitable product of the unprecedented convergence that had taken place between the emergent postmodern identity politics of queer theory and the renewed agency of a number of 1980s AIDS activist groups and independent film and video collectives. Its aim, as Harry Benshoff and Sean Griffin recount, was to overturn more established definitions and representations of homosexuality so as to ‘explode taboos, raise controversial issues, and celebrate a variety of queer sexualities’ (2006: 221). It was a cinema that, after a decade of increasingly aggressive anti-gay New Right conservatism in both the US and the UK in the 1980s, provided an urgent platform for those that had for so long been silenced and relegated to the margins».

11 . Tradução do autor. No original: «It might be argued that the eclipse of New Queer Cinema coincides with another epistemic shift in queer culture where HIV/Aids is imagined (if not necessarily experienced) as ‘past’, a ‘chronic manageable condition’ in Western countries; at this juncture, the encounter with death and loss requires a different analytic and affective register».

12 . Foram mais de US$ 178 milhões arrecadados no mundo todo, segundo o site «Box Office Mojo»: https://www.boxofficemojo.com/title/tt0388795/?ref_=bo_se_r_1. O longa venceu ainda os Oscars de melhor direção, roteiro adaptado e trilha musical.

13 . Tradução do autor. No original: «‘homonormativity’ does not challenge the institutions and values of heteronormativity. Rather, it seeks to include gays and lesbians in them. Homonormativity promises the possibility of a privatized, depoliticized gay culture anchored in domesticity and consumption».

14 . Somente no Brasil, em 2018, foram assassinadas pelo menos 163 pessoas trans: https://www.huffpostbrasil.com/entry/morte-transexuais-2018_br_5c4f27dee4b0e1872d4641f1?ncid=yhpf.

15 . Tradução do autor. No original: «These films do not share the same radical aesthetic of the films of the first wave of queer films in the early 1990s, since they exist within a different context of both independent and queer film».

16 . Tradução do autor. No original: «The film appears to reinforce dominant ideologies but uses formal cinematic codes to deconstruct political norms. It is in this deployment of the dominant realist aesthetic of contemporary indie cinema that the queer films of this second NQC wave find their political agency. While these films are not experimental or formally radical, they are still using film form to politicize the queer content».

17 . Tradução do autor. No original: «neo-queer films do not simply continue a legacy, but instead they have revitalized it, changing narratives and styles to suit contemporary issues and appeal to contemporary (queer) spectators».

18 . Tradução do autor. No original: «Where New Queer Cinema challenged gender identification, offering radical or experimental narratives that spoke more widely to queer issues and politics (such as Aids or under/mis-representation), films such as Keep the Lights On and Blue is the Warmest Color, focus closely on white, privileged individuals who successfully navigate the economic and social world, and their only real worries lie within personal relationships and the self. (…) This may be due to the fact that some LGBT+ persons in real life are beginning to reap the rewards of «equality» and neoliberalism. (…) These films, then, appear to try and reflect social, cultural, and economic progress for queers, yet this simply leaves out many members of the LGBTQIA+ community who do not benefit from neoliberalism (for example, transsexuals, queer POC, poor/under-privileged queers, and so on). In short, Neo-Queer Cinema focuses less on the community and more on the self; some of these films privilege normative notions of love, success, consumerism, and the self, over the wider community and issues still apparent in the LGBTQIA+ community».

19 . Tradução do autor. No original: «The queer films appearing over the past few years are, in contrast, noticeably concerned with addressing a contemporary political milieu that has become saturated with neoliberal ideology. It is this interrogative stance towards neoliberalism with its associated regulation of identity categories and its appeal to assimilation and homonormativity that has thus become the dominant discourse of contemporary queer filmmaking».

20 . Tradução do autor. No original: «The internally conflicted gay adult men of Weekend are still negotiating the complexities associated with a self-identity still burdened by the residues of the past».

21 . Tradução do autor. No original: «Realistic gay imagery, where the emphasis is on content matter and a supposed fidelity to the actual, balances delicately with a distancing, meta-cinematic inquisition into how these images actually operate. In each of the films discussed below, efforts to conjure a sense of ‘unmediated’ authenticity vie with a more self-consciously artful engagement with questions of film form».

22 . Tradução do autor. No original: «Whatever is at odds with the normal, the legitimate, the dominant. There is nothing in particular to which it necessarily refers. It is an identity without an essence. ‘Queer’ then, demarcates not a positivity but a positionality vis-à-vis the normative».

23 . No livro Ditos e Escritos vol. III. Estética: Literatura e Pintura, Música e Cinema, Foucault conceitua a heterotopia, em oposição à irrealidade impossível das utopias, como «lugares reais, lugares efetivos, lugares que são delineados na própria instituição da sociedade, e que são espécies de contraposicionamentos, espécies de utopias efetivamente realizadas nas quais os posicionamentos reais, todos os outros posicionamentos reais que se pode encontrar no interior da cultura estão ao mesmo tempo representados, contestados e invertidos, espécies de lugares que estão fora de todos os lugares, embora eles sejam efetivamente localizáveis» (2009, p. 415).

24 . Tradução do autor. No original: «a decidedly (male) gay space that exudes a utopian sensibility but also has the possibility of being real, where the members of its culture see its rituals as ‘natural’. The lake is ‘homotopian’ safe space that is also penetrated by a perilous presence, Michel, a dangerous man who has used his gay sexuality to exhibit a certain number of gestures to therefore enter the ‘homotopia’, with the hopes of tainting it».

25 . Tradução do autor. No original: «‘Stranger by the Lake’, like a number of other Neo-Queer films, presents a fictiona world where being queer and loving queerly is an impossibility, a world where happiness and pleasure are only momentary. These films all present ‘relatively explicit’ erotic sex that ultimately leads to a break-up or heartbreak for the protagonists (Williams, 2014). Utopian sex is often placed centrally within a somewhat dystopian or anti-climactic narrative, queering the spectatorial experience as audiences are often left disappointed that the characters could not succeed in their relationship. Sex is often orgasmic, joyful, and frank (therefore, ‘utopian’) in Neo-Queer Cinema but is featured in stories and narratives that show queers as unlucky in love, not-quite-good-enough, or ones who give in to normative expectations, leading to some kind of ‘downfall’».

26 . ‘Carol’, ‘Moonlight’ (Barry Jenkins: 2016) e ‘O Reino de Deus’ são algumas exceções que fogem a esses finais distópicos.

27 . Tradução do autor. No original: «A relation of cruel optimism exists when something you desire is actually an obstacle to your flourishing».

28 . Tradução do autor. No original: «Homonormativity takes hold through affect and emotion. In effect, homonormativity is not only grounded in domesticity and consumption, as Duggan contends. It is also legitimized through sentimental narratives of love, happiness and hope, narratives that overlap with both domesticity and consumption, but that consist of more affective and emotional registers (…) and queer studies cannot imagine a viable otherwise unless we attend to these feelings».

29 . Tradução do autor. No original: «Romantic love is connected to narrative. Historically, romantic love and the novel emerged at roughly the same time; as Giddens writes, ‘the connection was one of newly discovered narrative form’ (1992, 40). Romance is the telling of a story, and thus it is not surprising that Glen and Russell should first come together by narrating their evening together, and it is significant that the film ends returning to storytelling, replaying the phrase, ‘start at the beginning’».

30 . Tradução do autor. No original: «I’m getting closer to the coast and realize how much I hate arriving at a destination. Transition is always a relief. Destination means death to me. If I could figure out a way to remain forever in transition, in the disconnected and unfamiliar, I could remain in a state of perpetual freedom».

31 . Um reflexo claro do individualismo neoliberal inerente a essa produção é que filmes realizados ou protagonizados por pessoas trans, não-binárias, assexuadas – ou fora do L/G de LGBTQIA+ - são ainda infinitamente menos numerosos e quase nunca obtêm o mesmo reconhecimento mainstream dos longas abordados neste artigo.